Em fevereiro de 2021, o Padre Júlio Lancellotti retirou, a marretadas, pedras instaladas sob viadutos na Zona Leste da cidade de São Paulo. A atitude de resistência às políticas higienistas do governo da capital paulista repercutiu em todo o país e fez emergir discussões sobre as táticas e estratégias que buscam afastar grupos marginalizados da cidade, em especial as pessoas pobres. Na ocasião, foram resgatados conceitos que explicam as origens e consequências dessas práticas de ódio. Dentre eles, está a aporofobia.
Criado em meados dos anos 90 pela filósofa espanhola Adela Cortina, o termo de origem grega se refere ao medo e a rejeição aos pobres, já que une o prefixo ‘’á-poros’’, que designa o pobre, o sem recursos, e o sufixo ‘’fobia’’ que significa ódio, temor. Segundo Adela, a pobreza aqui considerada não é apenas a carência de recursos necessários para sobreviver, mas também a falta de liberdade e a impossibilidade de desenhar planos de vida por motivos de desprestígio social.
Devido às questões estruturais, portanto, costumam sofrer de aporofobia: corpos negros, migrantes, refugiados, pessoas em situação de rua e outros que vivem na miséria projetada pelas classes dominantes. Aqueles que, desde o período colonial, foram desprezados na construção política, cultural, econômica e social. Os invisíveis da cidade, que não têm seus direitos humanos assegurados, nem o pleno acesso e usufruto das cidades, como moradia, saneamento básico, transporte e lazer de qualidade.
Além dos obstáculos sistêmicos impostos no processo de socialização dos povos, novas técnicas associadas à aporofobia têm surgido nas cidades, como é o caso das arquiteturas hostis. No Brasil, elas aparecem principalmente no uso de grades, objetos pontiagudos e muros que objetivam impedir a aproximação da população em situação de rua de residências e estabelecimentos. Com isso, limita-se o uso do espaço comum não só para aqueles que vivem em sua dependência, como também para todas as outras pessoas, que, em tese, compartilham do mesmo direito de ocupar e se apropriar do que é público.
É importante lembrar que, com a pandemia de Covid-19, a população pobre e miserável aumentou. Proporcionalmente, a sua rejeição. Por isso, é fundamental dar atenção para o tema da aporofobia, em busca de uma cultura mais solidária e de políticas públicas que prezam pelo bem comum. O PL 857/2021 de minha autoria é um exemplo a ser citado, e foi criado com o propósito de vedar o emprego de técnicas de arquitetura hostil no município de Uberlândia.
Na luta pela justiça socioespacial, a busca pela hospitalidade em vez da hostilidade se faz essencial. Com essa perspectiva, e o planejamento urbano alinhado aos princípios do Direito à Cidade e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, faremos valer os grandes preceitos de cidadania cunhados na nossa Constituição Federal.